Um breve relato das bases da Homeopatia

1. A história da homeopatia

Os princípios da homeopatia foram propostos no final do século XVIII pelo médico alemão Samuel Hahnemann, que, decepcionado com a medicina de seu tempo, empenhou-se em conceber um novo modo de tratamento. Essa terapia ganhou vários adeptos rapidamente, mas também vários oponentes.

Os precursores

A história da homeopatia se inicia com Christian Friedrich Samuel Hahnemann (1755-1843). Em 1796 ele nomeia essa nova medicina a partir das palavras gregas “homoios” (“semelhante”) e “pathos” (“aquilo de que se sofre”). Para alguns historiadores, encontramos na obra de dois ilustres predecessores de Hahnemann, Hipócrates e Paracelso, os fundamentos de vários princípios homeopáticos fundamentais. De fato, Hahnemann era erudito e certamente conhecia os exemplos de tratamento por meio de substâncias semelhantes, veiculados pela tradição hipocrática. Sua originalidade foi sistematizar a hipótese e comprová-la por meio de um enorme trabalho experimental.

  • Hipócrates e o tratamento pelos semelhantes

A história da medicina ocidental tem início com o médico grego Hipócrates (460-377 a.C.). Sua obra contém algumas observações próximas de um dos conceitos fundamentais da homeopatia: o tratamento a partir dos semelhantes. Contudo, Hipócrates não tira nenhuma conclusão sobre o uso sistemático dos semelhantes; além disso, essas observações têm caráter isolado, já que o autor recomenda tratamentos pelos contrários em vários textos.

  • A “teoria das assinaturas” de Paracelso

Para outros historiadores, é na obra de Paracelso (1493-1541) que devemos procurar a origem da homeopatia. De fato, Paracelso é autor de uma “teoria das assinaturas”, segundo a qual o Criador havia deixado na aparência das plantas os indícios (como uma espécie de “assinatura” divina) que permitem ao homem deduzir-lhes as virtudes medicinais. Contudo, Paracelso via uma analogia entre o aspecto físico de uma planta e suas propriedades, enquanto a homeopatia é fundada sobre a relação entre os sintomas que uma substância produz sobre os indivíduos sãos e aqueles que ela cura nos doentes.

Decepções de um jovem médico

Hahnemann nasceu em 10 de abril de 1755, em Meissen, pequena cidade da Saxônia, na Alemanha. Aos 20 anos, ingressa no curso de medicina em Leipzig. Aos poucos, ele mesmo financia seus estudos, com traduções e aulas particulares de grego e francês. Hahnemann continua os estudos em Viena, mas acaba interrompendo-os por falta de recursos financeiros. Mais tarde, o governador da Transilvânia o contrata como médico particular, e lá ele se inicia na franco-maçonaria. Hahnemann termina seus estudos em Erlagen e defende sua tese em 10 de agosto de 1779. Desde então, passa a exercer a medicina e continua a traduzir obras médicas. Mas o jovem médico acha a medicina de seu tempo precária, e deixa de praticá-la em 1790. É fato que a arte médica do final do século XVIII não curava satisfatoriamente: faltava rigor à teoria em consequência da incorreção dos experimentos; utilizava-se ainda a classificação de Galeno, segundo a qual as doenças são causadas pelo excesso de calor, umidade, secura ou frio, estados aos quais se opõem os medicamentos, classificados segundo as mesmas categorias. “A sangria, os antiflogísticos (substâncias que supostamente combatem a inflamação), os banhos mornos, as bebidas diluentes, as dietas, os depurativos, os eternos purgativos e enemas constituem o círculo vicioso no qual giram os médicos alemães”, escreveu então Hahnemann.

A cura pelo semelhante

De 1790 a 1796, Hahnemann viveu exclusivamente de suas traduções. Cada vez mais frequentemente ele fichava as obras que traduzia e não hesitava em registrar seu desacordo com o autor. Assim, em 1790, ao traduzir a Matéria médica do escocês Cullen (1710-1790), ele escreve uma nota importante sobre a casca da quina, de que se extrai a quinina. Cullen afirma que ela é eficaz nas febres intermitentes porque suas propriedades amargas e adstringentes (constipantes) exercem uma ação fortificante sobre o estômago. Hahnemann discorda dessa opinião.  


2. Os princípios da homeopatia

A homeopatia é uma medicina integral, que trata o indivíduo em sua totalidade. Dois de seus princípios essenciais são a cura pelos semelhantes e o uso de medicamentos específicos bem diluídos e “dinamizados” (isto é, agitados a cada diluição).

Uma forma de medicina baseada na experimentação

Em 1790, Samuel Hahnemann experimentou em si mesmo os efeitos da quinina e anotou precisamente todos os problemas que sentiu. Ele acabou fazendo o que os homeopatas chamam de “patogenesia”, ou seja, a experimentação e a demonstração em um homem são dos efeitos de uma substância. Várias pessoas realizam, por conta própria, o mesmo tipo de experiência. Os fumantes, por exemplo, quando experimentam seu primeiro cigarro: os mais sensíveis ficam pálidos, sentem náuseas, e seu rosto fica coberto de suor frio. Essas pessoas testam um medicamento homeopático bem conhecido, o Tabacum, um dos que os homeopatas prescrevem contra enjoo. Pode-se perceber a semelhança que há entre uma intoxicação pelo tabaco e os sintomas experimentados pelas pessoas que passam mal durante uma viagem de carro ou barco.

Similitude, individualização e totalidade

Na medicina homeopática, a escolha de um tratamento se faz segundo três princípios fundamentais: a lei da semelhança, a individualização dos sintomas e a consideração destes em sua totalidade. A obtenção de um bom resultado depende, portanto, do respeito a esses princípios.

  • “A cura pelo semelhante”

Para que o medicamento escolhido seja eficaz, deve provocar na pessoa sã sintomas idênticos aos que caracterizam a doença, ou, melhor ainda, deve provocar sintomas idênticos àqueles que o doente apresenta. É a chamada “lei da semelhança”, segundo a qual toda substância suscetível experimentalmente de provocar num indivíduo são e sensível uma série de sintomas é capaz de curar um doente que apresenta os mesmos sintomas. Segundo o maior ou menor grau de semelhança, o resultado do tratamento será total, parcial ou nulo. Hahnemann foi o primeiro a experimentar os medicamentos num homem são com o objetivo de conhecer de antemão suas propriedades, sendo, portanto, o primeiro a formular e a aplicar essa lei de modo coerente e sistemático.

  • A pesquisa dos sintomas pessoais

Embora todos os pacientes que sofrem de enjoo possam sentir náuseas, nem por isso eles apresentam sintomas exatamente idênticos. Uma pessoa sente uma necessidade enorme de ar fresco, suas náuseas e vertigens cessam quando ela fecha os olhos, mas se agravam se ela os mexe; sem que ela possa explicar, sente alívio ao abrir a roupa sobre o peito. Uma outra vê suas vertigens aumentarem ao mexer os olhos; as náuseas, acompanhadas de salivação, aumentam com o barulho e o movimento, mas sobretudo pelo fato de sentir o cheiro de alimentos ou simplesmente imaginá-los. Já numa terceira pessoa, as náuseas estão associadas à diarreia, às dores nas costas e à sensação de fraqueza generalizada. Embora esses três pacientes sintam náuseas e dores de cabeça e vomitem, cada um deles será tratado com um medicamento diferente: seria prescrito para o primeiro Tabacum, para o segundo Cocculus indicus e para o terceiro Petroleum. O minucioso trabalho de análise feito por todo homeopata antes de prescrever um medicamento é chamado “individualização”; ele serve para o médico compreender os sintomas que um doente em particular apresenta.

  • A consideração de todos os sintomas pessoais

Os homeopatas chamam de “princípio de totalidade” o levantamento dos sintomas pessoais do doente. Eles tanto podem ser psíquicos (ou mentais), gerais (sensação de fraqueza, por exemplo) ou locais (urinários, digestivos etc.); o que importa é que eles são sentidos pelo doente em questão. É sobre esses dois princípios – individualização e totalidade – que repousa a escolha do medicamento adequado. O homeopata os aplica a partir de uma consulta, que, por causa disso, é necessariamente longa.

O preparo dos medicamentos

Uma das grandes especificidades da homeopatia está na forma de preparar o medicamento: ele é altamente diluído e agitado entre cada diluição e a seguinte. Esse método deu origem a numerosas controvérsias científicas.

  • A infinitesimalidade

Em homeopatia, quanto mais um medicamento é diluído, a ponto de não conter mais nenhuma molécula do princípio ativo, mais eficaz se torna. Para não prejudicar sua própria saúde – e a das pessoas a seu redor –, Hahnemann utilizou medicamentos em doses bem pequenas em suas experiências. Logo, porém, ele atingiu o limite das possibilidades de pesagem das balanças da época, mas contornou essa dificuldade incorporando uma substância neutra (água ou leite em pó) às substâncias tóxicas que iria testar. Misturando de modo perfeitamente homogêneo uma parte de substância tóxica a nove partes de substância inofensiva conseguiu reduzir à decimalidade os limites de seu material: cada miligrama pesado continha aproximadamente um décimo de produto nocivo. Ele constatou então que os resultados de seus experimentos não perdiam seu valor: os sintomas mais evidentes que se encontram em quase toda intoxicação (diarreias, vômitos) dão lugar a sintomas mais sutis, como por exemplo uma dor de cabeça ao se deitar à noite. É por isso que ele passou a diluir cada vez mais suas preparações, e constatou, que quanto mais esses medicamentos eram diluídos, mais eficazes se tornavam.

  • A dinamização

Hahnemann pôde perceber que, se durante a preparação os medicamentos homeopáticos não sofressem uma série de choques (as chamadas “sucussões”) após cada diluição, não produziriam o efeito terapêutico esperado. Dessas sucussões sucessivas, da qual a última é chamada dinamização, depende a eficácia dos medicamentos homeopáticos. Infelizmente, o criador da homeopatia não mencionou em nenhuma parte como descobriu o princípio da dinamização.

Alguns defendem que Hahnemann teria intuído o procedimento ao observar o modo de fabricação do éter: uma série de choques eram de fato necessários para que ocorresse a reação química entre os elementos iniciais. A explicação do fenômeno da dinamização é hoje em dia objeto de diferentes hipóteses científicas.  

Saúde e doença

Para Samuel Hahnemann, o ser vivo é uma totalidade. O corpo e o espírito estão indissoluvelmente unidos; a vida só é possível graças a uma força que permite que esse conjunto funcione de modo harmonioso: a “energia” ou “força vital”, que é imaterial, invisível e não mensurável.

  • A doença, uma perturbação do equilíbrio

Para Hahnemann, a doença é resultado da ruptura de um equilíbrio, sendo, ela mesma, imaterial e não mensurável, a não ser pela observação de todos os sintomas, sobretudo e essencialmente aqueles que são específicos do doente. Esses sintomas representam as tentativas mais ou menos bem-sucedidas do organismo de reencontrar seu estado de equilíbrio anterior, ou um novo equilíbrio, caso ele não consiga se recuperar completamente; os sintomas correspondem a sinais de estresse muito pessoais, que têm sua razão de ser, o que torna imprescindível uma visão de conjunto para se obter a cura.

  • A medicina convencional alopática

A alopatia é a “medicina dos contrários”. Ela se baseia na ação dos medicamentos no organismo: os efeitos curativos das substâncias são devidos a propriedades químicas que influenciam as causas aparentes das doenças. Curar significa fazer desaparecer o(s) sintoma(s) desagradável(is) o mais rápido possível; e, se outras afecções ocorrerem depois, será por simples acaso, sem ligação com a patologia anterior. Hahnemann chamou essa medicina de “antipática”, que significa literalmente – “contra a doença” (ou seja, a cura pelo contrário). Para o homeopata, esse procedimento “suprime” os sintomas; isto é, a terapêutica alopática sabe perfeitamente como fazer os sintomas desaparecerem, porém, mais cedo ou mais tarde, a afecção pode voltar à superfície, de forma idêntica ou ainda mais grave. É o caso, por exemplo, de um eczema que, uma vez “curado”, é seguido de asma ou artrite.

  • Curar o doente mais que a doença

Em homeopatia, curar não significa eliminar os sintomas. O sintoma é justamente o indicador da quebra do equilíbrio. E, por isso, é inútil fazê-lo desaparecer – salvo se colocar a vida em risco ou for insuportável. A homeopatia mobiliza as forças reativas do indivíduo: é uma terapia cuja ação se baseia na resposta do organismo. Depois de ingerir um medicamento, os sintomas continuam a se manifestar durante certo tempo, como um satélite mantém a trajetória quando entra em órbita. Podemos dizer, portanto, que a terapêutica homeopática tem por princípio curar o doente em sua totalidade e não apenas a afecção. A cura passa por uma melhoria do “terreno” (conjunto de características pessoais, as genéticas e as adquiridas), que varia muito – assim, em caso de uma epidemia de gripe, uma pessoa é atingida e outra não –, de acordo com a energia e o estilo de vida. A cura é obtida quando o indivíduo, livre da doença, experimenta bem-estar físico e mental. Por esse motivo, a homeopatia pode ser considerada uma medicina preventiva: seu princípio é evitar o aparecimento de novas manifestações de um mesmo desequilíbrio ao tratar, em primeiro lugar, o desequilíbrio e depois os sintomas.

  • As “leis de cura”

A homeopatia se refere às “leis de cura”, preceitos segundo os quais os problemas aparecem e desaparecem de acordo com esquemas observados na maioria dos casos. Primeira “lei”: a cura ou a melhora das doenças deve ocorrer do interior para o exterior, do alto para baixo e, sobretudo, na ordem inversa de seu aparecimento, sem que esses elementos estejam necessariamente associados. Assim, um acesso de asma que ocorre depois da cura de um eczema pode passar no mesmo instante em que a erupção se manifestar novamente (de dentro para fora); uma dor no quadril é seguida por um joelho dolorido (do alto para baixo). Os problemas costumam reaparecer, geralmente de forma mais branda. O reaparecimento – não sistemático – de sintomas antigos é considerado benéfico a longo prazo pela medicina homeopática, que recomenda que não se tente impedir a sua aparição com nenhum tipo de tratamento, já que isso pode atrapalhar o processo de cura em andamento. Por isso, é sempre preferível consultar o homeopata. Segunda “lei”: o estado de espírito e a energia vital devem melhorar antes ou ao mesmo tempo que as afecções corporais. Assim, o homeopata pode falar em melhora mesmo se um doente diz sofrer mais – apenas temporariamente, claro –, se ele se sente menos ansioso e mais alegre.

Campos e limites da homeopatia

Hoje em dia, graças à eficácia dos numerosos tratamentos da medicina convencional alopática, os médicos homeopatas muitas vezes não tratam com medicamentos homeopáticos as afecções mais graves, como no caso de processos degenerativos mais profundos ou quadros agudos intensos que necessitam de ação emergencial. No entanto, seu campo de atuação não é nada restrito, pois abrange tanto as doenças agudas (angina, otite, hepatite, gastrite, dor ciática etc.) quanto as crônicas (depressão, asma, bronquite, reumatismo, distúrbios hormonais femininos, alergias etc.). Da mesma forma, ainda que diante de afecções benignas, o homeopata pode não conseguir encontrar o medicamento adequado; é seu dever, portanto, tratar o paciente com a terapêutica convencional, a qual ele deve estar também preparado para utilizar. Além disso, um tratamento homeopático não consegue curar pessoas cujos tecidos foram mais profundamente lesados. Assim, uma articulação deformada por um reumatismo tem poucas chances de recuperar seu aspecto inicial por meio de um tratamento homeopático; a homeopatia pode, porém, aliviar o sofrimento do paciente. Costumamos lembrar sempre que a homeopatia pode e deve ser considerada como uma opção terapêutica, devendo, para tanto, ser aplicada dentro de suas abrangências. O médico consciencioso deve avaliar sempre, para cada caso individualmente, qual a opção terapêutica que maior benefício trará ao paciente.


3. A biblioteca dos homeopatas

Desde o surgimento da homeopatia, pareceu evidente que, já que havia um grande número de doenças diferentes, seria necessária uma grande variedade de medicamentos. Hahnemann também experimentou em si mesmo o efeito de inúmeras substâncias, e, depois, em seus parentes ou colaboradores: a quinina, o enxofre, o mercúrio, o arsênio, a arnica. Reunindo os resultados obtidos, ele elaborou uma primeira Matéria médica pura, que foi sendo aumentada consideravelmente com o passar dos anos. Depois de algumas décadas, para poder utilizar corretamente essa enorme quantidade de informações, os homeopatas começaram a utilizar as Matérias médicas resumidas. Além disso, a partir dessas obras, fizeram catálogos de sintomas, os chamados “repertórios de sintomas”, que são índices de sintomas relacionados aos medicamentos que os curam.

Bibliografia principal:
Servais, P. Larousse da Homeopatia. S. Paulo: Larousse do Brasil; 2003.


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