Homeopatia é ciência e saúde

Homeopatia é ciência e saúde 

Mapa de Evidências da Efetividade Clínica da Homeopatia identifica 51 estudos de revisão sistemática nas áreas de  infectologia, transtornos no desenvolvimento infantil, saúde da mulher, dor e distúrbios gastrointestinais.   

Redação e Edição: Katia Machado (Fiocruz)

Revisão Científica: Ricardo Ghelman e Caio Portella (CABSIN)

Criada e desenvolvida há quase 200 anos, pelo médico alemão Christian Friedrich Samuel Hahnemann (1755-1843), a homeopatia surge como ciência e racionalidade médica baseada na observação de fatos. Trata-se de um sistema terapêutico mundialmente reconhecido, que colabora com as vias naturais de cura do organismo, com base numa lei da natureza, denominada Lei dos Semelhantes.  “Começou a propagar-se logo após a sua formulação, por Samuel Hahnemann, nos primeiros anos do século XIX, chegando ao Cone Sul na década de 1830. Esse processo é tradicionalmente vinculado à figura de um ‘introdutor’, por vezes alcançando estatuto mítico”, realça Silvia Waisse, pesquisadora em história da ciência, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no artigo `Novas evidências documentais para a história da homeopatia na América Latina: um estudo de caso sobre os vínculos entre Rio de Janeiro e Buenos Aires`. 

No Brasil, a prática homeopática chega no verão de 1840, no  Rio de Janeiro, através do médico francês Jules Benoit Mure, discípulo direto de Hahnemann. “Mure chegou ao país depois de realizar uma peregrinação na Europa, por onde difundiu e divulgou os princípios da então nova arte médica”, descreve a Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB) em seu site, contando ainda que o médico francês dispôs parte de sua fortuna pessoal para difundir a medicina e direcioná-la para o tratamento de escravos e “excluídos pela sociedade”. 

Uma nova medicina

Com base em uma vasta bibliografia, os pesquisadores Luana Moreira Raya e colaboradores, no artigo de 2021  ‘A história da ciência homeopática e a pesquisa no mundo e no Brasil’, descrevem: “Dotada de caráter holístico e vitalista, a homeopatia considera e trata o indivíduo em sua totalidade sintomática, não de maneira segmentada em sistemas orgânicos, e se baseia nos pilares fundamentais da experimentação no homem são (sadio), lei da semelhança, medicamento único e doses infinitesimais, a fim de estimular energeticamente o sistema de cura natural do corpo e elevar sua imunidade, justamente por impulsionar a força energética orgânica no combate à enfermidade, e não agir diretamente sobre um patógeno específico instaurador da doença propriamente dita”.

Associação Paulista de Homeopatia (APH) explica em seu site: “Foi traduzindo uma matéria médica sobre uma substância chamada China (Chinchona), usada para curar a malária, e discordando das explicações sobre os seus efeitos, é que Hahnemann teve a iniciativa de experimentar essa substância em pessoas saudáveis e comprovou a lei de cura pelos semelhantes, já descrita por Hipócrates, o `Pai da Medicina`”. 

Hahnemann elaborou, a partir desse momento, o Organon da Arte de Curar, livro no qual se encontram registradas as bases desta arte médica. Segundo a APH, para a homeopatia, o indivíduo não tem apenas uma doença: ele carrega um desequilíbrio que se manifesta de diferentes formas patológicas ao longo de sua vida. O propósito, portanto, desta ciência médica é restaurar o organismo aos estágios que precedem a doença, no caminho da cura. 

Através de centenas de remédios medicamentos diferentes, extraídos de substâncias vegetais, animais e minerais, a homeopatia se propõe a estimular o sistema imunológico e restaurar o equilíbrio energético do paciente, com base nos sintomas e tratar uma diversidade de qualquer doenças, a exemplo de problemas do trato gastrointestinal, ginecológicos, dermatológicos, respiratórios, desequilíbrios imunológicos (infecções virais e bacterianas frequentes e doenças alérgicas) e emocionais, como a depressão.

Pesquisa em Homeopatia 

Os coordenadores do Comitê de Homeopatia do Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN), Sandra Abrahão Chaim Salles,  médica especialista em homeopatia pela AMHB e pós doutora pela Faculdade de Medicina da USP, e Ubiratan Cardinalli Adler, médico homeopata, com pós-doutorado no Instituto de Medicina Social, Epidemiologia e Economia da Saúde da Universidade Charité, Berlim, líder do Grupo de Pesquisas CNPq Homeopatia e Medicina Integrativa no SUS e professor adjunto do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), explicam que o princípio da similitude, sistematizado por Hahnemann, faz uso de um estímulo medicamentoso capaz de causar uma afecção muito semelhante no mesmo sistema orgânico. 

Quanto à história da pesquisa em homeopatia, eles destacam que as primeiras iniciativas para a organização de sociedades de pesquisa neste campo surgiram em meados da década de 1980, com a fundação do Groupe International de Recherche sur l´infinitésimal, conhecido pela sigla GIRI (International Research Group on Very Low Dose and High Dilution Effect), na França, sob a liderança da professora Madeleine Bastide, então docente da Universidade de Montpellier I.  “Outros grupos se institucionalizaram, como o HRI – Homeopathy Research Institute, do Reino Unido, o WissHom – Wissenschaftlichen Gesellschaft für Homöopathie, na Alemanha, além do próprio Ministério AYUSH, do Governo da Índia, que dá suporte à pesquisa em Homeopatia por meio do Central Council for Research in Homeopathy – CCRH”, listam.

De acordo com o Comitê, o número de artigos sobre homeopatia e/ou pesquisas em altas diluições, publicados em periódicos científicos, cresceu exponencialmente a partir da década de 1980, tendo atingido um platô nos anos 2000. “Uma busca na principal base de dados de pesquisa biomédica, a PubMed, usando-se a palavra-chave ‘Homeopathy’, resultou em 6.237 artigos indexados desde o ano da morte de Hahnemann, em 1843, até março de 2022”, atualizam os pesquisadores.

Vale destacar que o Comitê conta, além dos coordenadores, com os pesquisadores especialistas em homeopatia Leoni V Bonamin, que é médica veterinária, professora titular da Universidade Paulista (UNIP) e atual editora do GIRI, Carla Holandino Quaresma, farmacêutica, professora titular da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e atual vice-presidente do GIRI, Karen Berenice Denez, farmacêutica, membro da diretoria da Fundação Homeopática Benoit Mure de Santa Catarina, Lucas Franco Pacheco, médico homeopata e professor da Faculdade de Medicina de Pouso Alegre (MG), Ana Rita Vieira Novaes, médica, especialista em Homeopatia, Acupuntura, Pediatria e Medicina Geral Comunitária e doutora em Saúde Coletiva, e Edgard Costa de Vilhena, médico intensivista e homeopata pela Sociedade de Homeopatia do Estado do Rio de Janeiro (Soherj).

Hoje, a pesquisa em homeopatia, segundo eles, concentra-se em quatro principais vertentes: pesquisa em saúde humana e veterinária, que avalia a efetividade/eficácia, custo/efetividade de estratégias de tratamento homeopático; pesquisa básica (realizada em laboratórios sob condições controladas), que estuda as propriedades físico-químicas e as respostas biológicas moleculares e celulares das preparações altamente diluídas usadas na Homeopatia; pesquisa tecnológica, focada sobretudo no uso agronômico de produtos homeopáticos; e pesquisa em saúde coletiva e história das ciências.

Mapeamento de evidências

O Comitê dedicou-se, ainda, à construção do Mapa de Evidências da Efetividade Clínica da Homeopatia, no contexto de um grande projeto de sistematização das evidências científicas em Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI), que tem a parceria do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Bireme/OPAS/OMS) e o apoio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Coordenação Nacional das Práticas Integrativas e Complementares de Saúde do Ministério da Saúde. Neste trabalho científico, os pesquisadores identificaram 51 estudos de revisão sistemática, que avaliaram o efeito de quatro tipos de intervenções com a Homeopatia: Formulação Homeopática Comercial; Homeopatia Clínica; Isoterápicos; e Individualizada. “O mapa de evidências, como o próprio nome já diz, é uma forma de mapear revisões de estudos clínicos na literatura, em termos de evidências científicas para a área da saúde. O projeto oferece o diagnóstico sobre o estado da arte em pesquisa clínica. É uma forma de identificar as melhores evidências de efetividade, bem como as lacunas que ainda precisam ser preenchidas em termos de conhecimento científico na área da homeopatia clínica”, detalha o grupo.

Segundo os especialistas, os países que mais concentram esse tipo de estudo são, seguindo a tradição, o Reino Unido, os Estados Unidos e a Alemanha. “O conjunto de resultados classificados como sendo de alto grau de confiança, segundo análise realizada pelo método AMSTAR 2, relaciona-se sobretudo a infeções do trato respiratório em crianças, otite, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), síndrome do intestino irritável, fibromialgia, diarreia, periodontite e síndrome pós-menopausa”, detalha o Comitê. Leoni acrescenta: “Entre esses estudos, constatam-se evidências de eficácia clínica para algumas condições, mas também há aspectos ainda em aberto, com resultados contraditórios, os quais necessitam de estudos complementares para a confirmação da sua eficácia, como é o caso do TDAH”.

Ela revela que, após as análises dos estudos que compõem o mapeamento, o relatório final foi revisado em duas etapas, sendo a primeira feita pela própria equipe brasileira de análise e a segunda por um time internacional de experts. Ela explica que se trata de um trabalho minucioso, com vistas a ajudar gestores e pesquisadores na programação de prioridades para pesquisa e gestão em saúde nos próximos anos. “As evidências científicas de efetividade clínica são fundamentais para a tomada de decisões. Enfatiza que  as evidências de atividade biológica e a pesquisa básica sobre altas diluições são também muito importantes, pois abrem caminho para conhecermos os mecanismos envolvidos e, portanto, dar plausibilidade para a pesquisa clínica”, pondera.

Segundo a pesquisadora, não se trata de uma pesquisa simples, pois obriga a focar no que acontece com o solvente, quando o processo de dinamização (diluições seriadas + agitação vigorosa) é realizado, bem como na substância de partida (soluto), ou seja, na especificidade dos efeitos biológicos observados em laboratório, mesmo quando o soluto não está mais detectável no solvente. “Pode-se dizer que a homeopatia é a ciência do solvente, enquanto a farmacologia clássica é a ciência do soluto”, explica Leoni, informando que, nos últimos 12 anos, esse aspecto da pesquisa básica evoluiu bastante, mas ainda há lacunas que precisam ser preenchidas com mais pesquisas na área.

Para o Comitê, o mapa permitiu enxergar a necessidade de aprimoramento metodológico em pesquisa clínica em homeopatia, seguindo as diretrizes de boas práticas clínicas. “Há que se ter foco na formação de jovens homeopatas, para que se familiarizem com o universo da pesquisa, e de jovens pesquisadores, para que conheçam o universo homeopático como a ciência emergente que é”, sugere a coordenadora, Sandra Salles. Ela anuncia que o Comitê de Homeopatia do CABSIN já iniciou um projeto nesse sentido, junto à comissão de entidades formadoras de novos homeopatas. “Desse encontro, poderá surgir uma produção científica mais robusta sobre o tema, com possibilidade de contemplar novas possibilidades de uso da homeopatia em várias condições clínicas, tanto isoladamente quanto como recurso adjuvante em associação a tratamentos convencionais”, anuncia.

Os pesquisadores Natália S. Champs , Julia G. Lopes , Paula C. Sousa , Clariana C. Souza , Bárbara L.T. Justo , Dayane M. Dutra , Adrienne M.S. Mendes , Claudia Prass Santos e  Rubens L.C. Tavares, no artigo `Impacto do tratamento homeopático na qualidade de vida de mulheres com doenças crônicas: um ensaio clínico controlado pragmático e randomizado’, realçam mais dados promissores. Eles revelam, ao avaliarem a qualidade de vida de mulheres com doenças crônicas tratados com homeopatia no Sistema Único de Saúde (SUS), que, após seis meses, as mulheres tratadas com medicamentos homeopáticos obtiveram resultados mais positivos que o grupo controle. “Até onde sabemos, este é o maior ensaio clínico com este desenho e objetivo em ambulatório público em nosso país. O objetivo principal não teve a intenção de avaliar um medicamento homeopático ou tratamento homeopático específico para uma determinada doença crônica, mas sim a terapêutica individualizada para esta população. Assim, a pesquisa foi desenhada para avaliar, de forma geral, como o uso complementar da homeopatia poderia intervir na qualidade de vida de pacientes com doenças crônicas”, descrevem os pesquisadores.

Referências 

  1. TARCITANO FILHO, Conrado Mariano; WAISSE, Silvia. Novas evidências documentais para a história da homeopatia na América Latina: um estudo de caso sobre os vínculos entre Rio de Janeiro e Buenos Aires. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.23, n.3, jul.-set. 2016, p.779- 798.
  2. Luana Moreira Raya, Adalberto do Carmo Braga von Ancken, Cideli de Paula Coelho. A HISTÓRIA DA CIÊNCIA HOMEOPÁTICA E A PESQUISA NO MUNDO E NO BRASIL / THE HISTORY OF HOMEOPATHIC SCIENCE AND RESEARCH IN THE WORLD AND IN BRAZIL. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.2, p. 14101-14122 feb. 2021.
  3. Natália S. Champs , Julia G. Lopes , Paula C. Sousa , Clariana C. Souza , Bárbara L.T. Justo, Dayane M. Dutra , Adrienne M.S. Mendes , Claudia Prass Santos  , Rubens L.C. Tavares . Impact of Homeopathic Treatment on the Quality of Life of Women with Chronic Diseases: A Randomized Controlled Pragmatic Trial. Homeopathy 2021; 110(02): 102-107. DOI: 10.1055/s-0040-1721062.