Um dia para meditar sobre a Ética em Saúde

 

“A ciência funciona porque se limita a um grupo pequeno de assuntos. Não há ciência com letra maiúscula. Alguns dos cientistas que lidam com as grandes questões são acusados pelos colegas de praticar filosofia. Eu os respeito e minha formação original é em química, não em ciências humanas. Tenho muito mais prazer em falar sobre um tubo de ensaio e testes laboratoriais do que de assuntos filosóficos, mas a ciência faz parte da insanidade. É parte da insanidade quando assume que os assuntos são muito maiores do que eles realmente são. Quando se fala com um cientista, perguntam-se coisas, que se você for sincero responderá: como por Deus eu vou saber? Você me pergunta sobre o destino da humanidade? Eu não saberia responder. Se você me perguntar o que vai acontecer daqui dois dias, como vou saber? Eu posso responder sobre as poucas coisas que eu sei agora. Eu não tento fazer da ciência uma espécie de deus pagão. E ao fazer isto, eu estou fazendo bem à ciência porque é isso que ela é. Quando o sol é um deus, é um deus perigoso, quando o sol é apenas uma estrela no céu é muito mais fácil lidar com ele.”

Adin Steinsaltz, Químico, Filósofo, Crítico Social e Rabino

Hoje é o dia mundial no qual se comemora uma metodologia que atende milhões de pessoas no mundo todo. O surgimento da homeopatia confunde-se com seu principal protagonista, portanto não há como falar sobre tal assunto sem falar de Samuel Friederich Hahnemann, o elaborador deste método de tratamento, que nasceu neste dia, 10 de abril, no ano de 1755 na cidade de Meissen, Alemanha.

O século XVIII foi um período que para a história da medicina se caracterizou pelo prosseguimento das investigações químicas aplicadas à terapêutica. Esboçava-se uma reforma empírica e experimental para fazer as pesquisas. Era a chamada química dos médicos, a iatroquímica (do grego, iatros = médico).

Uma das mais importantes destas novas diretrizes e inovações foram as tentativas do médico inglês Jenner de estabelecer as primeiras experiências para criar uma vacina eficaz contra a varíola. Quase no fim do século XVIII, ele reintroduziria naquela pesquisa uma ideia bem importante: provocar as forças do organismo com “doenças artificiais” para aumentar sua resistência, a partir de substâncias naturais selecionadas e modificadas. Era o nascimento da ideia – e a posterior comprovação — de que havia nos corpos um sistema inteligente que podia reagir adequadamente quando bem estimulado.

Foi um avanço importante e notável.

Contudo nenhuma ideia confrontou o modelo teórico das ciências médicas de forma tão tenaz como o que estamos prestes a descrever.

As vésperas do século XIX, mais precisamente em 1796, o médico alemão Samuel Hahnemann, cansado das ineficazes prescrições de seus contemporâneos[1], resolve publicar suas pesquisas clínicas após anos de reflexão e estudo.[2] [3]

O raciocínio inicial de Hahnemann em suas próprias letras:

“Tu deves”, eu pensei, “observar como os medicamentos atuam sobre o corpo humano, quando ele está no estado tranquilo de saúde. As alterações que os medicamentos produzem em um organismo saudável não ocorrem em vão, elas devem significar algo; senão por que elas ocorreriam? E se estas mudanças tiverem um significado importante, extremamente importante? Se esta for a única declaração pela qual estas substâncias podem comunicar informações para o observador com respeito ao final de seu ser; e se as mudanças e sensações que cada medicamento produz no organismo humano saudável for apenas a linguagem compreensível pela qual – se elas não forem completamente abafadas por sintomas severos de alguma doença existente – ela pode distintamente discorrer para o observador não prejudicado com respeito às suas tendências específicas, com respeito aos seus meios peculiares , puros , de poder positivo, por meio dos quais ela é capaz de efetuar alterações no corpo, isto é, de desarranjar o organismo saudável , e – onde ela puder curar – de transformar para saúde o organismo que foi desarranjado pela doença!” Hahnemann escreveu em seu “Fragmento de uma carta para um médico de grande prestígio sobre a necessidade de uma regeneração da medicina”

Este é um trecho do artigo que alguns consideram o texto inaugural da homeopatia ele basicamente contesta o modo como parte do conhecimento em medicina vinha sido acumulado e praticado. Atualizado com a ciência de seu tempo, o artigo era basicamente uma metralhadora giratória contra boa parte dos grandes sistemas e métodos terapêuticos conhecidos. Vale lembrar que se tratava de terapêuticas muito agressivas e de duvidosa eficácia.

“E como seguramente este é o caso deve haver uma maneira da sua criação pela qual as doenças podem ser vistas por um ponto de vista correto , e serem curadas com certeza , uma maneira não escondida nas abstrações sem fim e especulações fantásticas!” Hahnemann, um médico pragmático e adepto da Medicina da Experiência, escreve estas frases em seu texto “Fragmento de uma carta para um médico de grande prestígio sobre a necessidade de uma regeneração da medicina”

Nele, afirma que existe uma outra forma de compreender a saúde, que foi abandonada pela história — desde que o hipocratismo foi destronado — e que já era hora de faze-la ressuscitar.

Paradoxalmente ao seu senso doutrinário, Hahnemann posiciona-se como um dos primeiros revisionistas da homeopatia. Lembremo-nos de sua “conversão” de um médico iatroquímico para a adoção do vitalismo já que era a única hipótese que explicaria a homeostase, é ali que ele incentivou a similitude como método. Ou seja, foi uma consequência direta de um espírito disposto a se deixar afetar pelas pesquisas.

Somente depois, vendo a insuficiência do uso de substâncias medicinais em doses maçicas é que passa a testar e acaba incorporando as doses infinitesimais. Este sempre foi o grande entrave alegado — pois existem aqueles que não podem ser evocados — para aceitar a clínica da similitude como um procedimento científico.

Hoje, porém, as assim chamadas de doses ultramoleculares podem ser melhor pesquisadas através da nanotecnologia — e desde a intuição de Gaston Bachelard de que o “o pequeno pode induzir uma resposta biológica mais eficiente do que o maciço” seguido pelos experimentos do imunopatologista francês Jacques Benveniste (e o enorme ruído científico quando publicou a “Memória da água” na revista Nature) e das recentes observações do prêmio nobel de Medicina recém falecido, Luc Montagnier, se aproximam de uma elucidação ao se obter a partir de estímulos com doses infinitesimais como respostas biomoduladoras, modificadas, sutis, porém convenientes para mudar/alterar/transformar in vitro e in vivo o curso de determinadas patologias e estados humanos. Já existe dossiês demonstrando claramente que as nanodoses não são meros placebos, resta saber se há curiosidade científica para aceitar o contra intuitivo e honestidade intelectual para examina-los sem julgamentos a priori.

Ater-se ao objeto médico para atender a demanda de uma clínica mais eficiente, a saber, com a finalidade específica de curar ou controlar patologias definidas é um antigo problema da medicina. Aqui também nosso inventor impõe mudanças. Em sua ética, o radical compromisso com o outro não significa estar somente atento às modificações de caráter patológico como primazia da atenção médica. A originalidade aqui foi ter pretendido definir-se por uma abordagem antropológica ética, cujos principais atributos devem ser a solidariedade e a compreensão do sujeito que sofre. Sofrimentos manifestos através das moléstias agudas e crônicas, idiossincrasias imaginárias ou reais que o sujeito enfermo narra ao médico, buscando alívio e suporte.

A ajuda homeopática não vem (ou não poderia vir) só de encontro aos corpos enfermos, ela virá sempre como um atendimento das sensações, metáforas e alusões que invadem e assolam o sujeito. Se uma metodologia estiver sob um ataque fundamentado, é nosso dever examinar os argumentos. Se ela, entretanto, estiver sendo atacada sem critérios éticos e sem embasamento lógico é nossa função contestar o que não tem fundamento.

Em comemoração ao dia de hoje teremos na sede do CREMESP o lançamento do livro “Ética em Homeopatia”, (Dantas, F. Org.) uma edição gratuita publicada pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo, sob a coordenação da Câmara Técnica de Homeopatia desta mesma entidade. O livro, escrito a muitas mãos, é um convite para toda a sociedade à meditação e reflexão sobre o papel da Medicina e do Cuidado à luz da discussão contemporânea sobre a ética do sujeito. Estão todos convidados, venham buscar seus exemplares.

Data: 10 de abril
Horário: 19 horas
Local: Sede do Cremesp
Rua Frei Caneca, 1282 – Consolação – São Paulo/SP – CEP 01307-002.

*Trecho do livro Rosenbaum, P. “ O outro código da Medicina, vitalismo, homeopatia, prevenção e Cuidado” a ser lançado durante o ano de 2024

[1] Na época de Hahnemann era muito comum o uso de medicamentos extremamente venenosos, o abuso da sangria, a mistura exagerada de drogas, intervenções cirúrgicas sangrentas e desnecessárias além da prática de tratamentos esdrúxulos.

[2] Em função destas decepções com a terapêutica de sua época Hahnemann se afasta da prática da medicina durante alguns anos para se dedicar a traduzir uma grande quantidade de obras médicas.

[3] Este livro é o “Ensaio sobre um novo Princípio para determinar o poder curativos das Drogas” de 1796, texto considerado o primeiro ensaio homeopático de Hahnemann.

Fonte: https://www.estadao.com.br/brasil/conto-de-noticia/um-dia-para-meditar-sobre-etica-em-saude/


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