Aspectos éticos relativos à medicina preventiva, proteção individual e comunitária em Homeopatia – Terceiro e último artigo

Aspectos éticos relativos à medicina preventiva, proteção individual e comunitária em Homeopatia Terceiro e último artigo da série “Aspectos da Diversidade Metodológica nas Ciências Médicas”


Paulo Rosenbaum


Apesar das campanhas sistemáticas de desinformação levadas adiante com vultosos subsídios, e sob a grave omissão de declaração de conflitos de interesse, a Homeopatia e as Medicinas Integrativas e Complementares tem se afirmado amplamente como teoria e prática médica, tanto no país quanto no exterior, como indica o parecer do recente documento do Board on Health Promotion and Disease Prevention, dos Estados Unidos.

No Brasil a homeopatia foi reconhecida em 1980 como especialidade médica, sendo regulamentada a sua utilização em nível nacional no sistema de atenção à saúde em 1988, pela Resolução nº 04 da Comissão Interministerial de Planejamento (CIPLAN), integrada por representantes de quatro ministérios federais.

Ao aprovar uma redução no número de atendimentos clínicos (entre 50 a 75% do definido para os demais médicos) a Resolução reconheceu o potencial da atuação preventiva embutida na atenção médica homeopática. Quase vinte anos após, foi aprovada em 2006 a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), através da Portaria nº 971, do Ministério da Saúde, que normatizou sua aplicação na rede pública, definindo inclusive estratégias de pesquisas aplicáveis à nossa realidade.

O aspecto preventivista que a especialidade oferece tem sido enfatizado tanto pela comunidade de praticantes como pela população. Não é fortuita que a escolha de muitos médicos que praticam a homeopatia no Brasil e no mundo tenham escolhido a Saúde Pública e a Medicina Preventiva como interlocutores acadêmicos privilegiados. Além da promoção da saúde e de estar alinhada com os parâmetros da vigilância epidemiológica (política de imunização, monitoramento de zoonoses, endemias, epidemias e pandemias) a homeopatia – considerando sua forma de atuação tanto no sistema de saúde privado como no público – apresenta potencial para atuar preventivamente. Durante quase uma década, no Centro de Saúde Geraldo Paula Souza, através de um convênio entre a Associação Paulista de Homeopatia (APH) e a Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP), efetivou-se o atendimento ao público em ambulatório didático, onde preceptores e alunos que faziam o curso de especialização em homeopatia frequentavam o ambulatório. Durante a experiência naquela Unidade Básica de Saúde foi possível constatar uma atuação transdisciplinar e a integração entre áreas da clínica médica homeopática e da medicina preventiva.

É portanto ainda o espaço generoso da anamnese (cuja etimologia significa “recordar de novo”) um instrumento único, e talvez ainda subestimado como recurso terapêutico, que pode elucidar o contexto dos sintomas — cuja origem etimológica significa literalmente segundo a etimologia, do grego symptoma, coincidência, acidente, acontecimento — que junto com os sinais obtidos através do exame físico e a análise dos exames subsidiários, guiam o médico naquilo que é o aspecto mais importante para fundamentar sua atuação e posterior avaliação dos resultados.

Esta capacidade de extrair uma história clínica – criando muitas vezes condições inéditas para que o paciente consiga se expressar — captura não só todos os sintomas, mas também extrai os principais aspectos biopatográficos (eventos mais marcantes e/ou traumáticos na vida dos sujeitos). E este enfoque apresenta potencial para impactar o que chamamos de estratégias preventivas em Medicina.

A certificação científica dos que praticam a terapêutica baseada no princípio dos semelhantes está lastreada nos procedimentos que a boa semiotécnica apregoa: anamneses compreensivas, checagem constante da qualidade de vida, ética e responsabilidade clínica para oferecer aos doentes as melhores opções terapêuticas (medicamentosas e não medicamentosas), evitar o excesso de idealização na cura, valorização do  acompanhamento dentro da atenção primária e secundária à saúde, além de guiar-se pela experiência e por sua permanente análise e monitoramento do estado clínico dos que estão sob tratamento.

O papel da homeopatia na prevenção e detecção precoce das doenças crônicas e infecciosas.

Importante aqui evocar as contribuições técnico-cientificas e conceitos de Kossak-Romanach:

“Não existe nenhuma patologia ou doença dita somática onde não possam ser detectadas alterações no estado psíquico do doente. Em todos os casos a moral do doente sobressai como elemento dos mais importantes na totalidade dos sintomas” e adiante “A homeopatia é a terapêutica ideal para se dirigir aos estados vagos que precedem a doença como diagnóstico, em situações nas quais a terapêutica habitual oferece um tranquilizante e procura entusiasmar o paciente pelo fato dele “não ter nada”

Quando Hahnemann atribui grande importância aos sintomas mentais e psíquicos e insta os médicos a prestar máxima atenção ao estado psíquico e da disposição física do enfermo, ele aduz um chamamento para que o clínico enxergue precocemente o que pode ser um primeiro indício de um adoecimento mais sistêmico. E esta precocidade na detecção tanto no estado psíquico como nos distúrbios funcionais e mesmo lesionais, mas de caráter “vago” podem ser importantes para definir uma estratégia preventiva. Seja direcionando o paciente para uma avaliação clínica mais minuciosa com ou sem exames subsidiários como também trazendo à consciência do sujeito esclarecimento sobre seu próprio estado e a necessidade de cuidar(se).

A filosofia médica que embasa a homeopatia também considera parte importante de sua atuação o controle e prevenção de moléstias crônicas. Como parâmetro de seguimentos dos casos clínicos considera vital o acompanhamento prospectivo do enfermo:  se o paciente está pior se a enfermidade inicial (illness) caminha em direção ao avanço da moléstia (disease). Detectar o illness, o adoecimento, a pré-moléstia, já seria ampliar muito a percepção do “mal-estar”, já seria dar uma passo adiante no que se entende como papel preventivo da arte médica.

Esta migração não ocorre só como gradiente cronológico, mas principalmente de transição qualitativa de estados clínicos. Este é um papel importante na prevenção de que estados funcionais não progridam para estados mórbidos lesionais e/ou incuráveis. Esta tarefa requer a aplicação de pesquisas clínicas qualitativas e novas ferramentas que permitam aferir epidemiologicamente os resultados.

Outros aspectos da prevenção: o dialógico e o papel da linguagem na semiologia

Para Paul Ricoeur, só existe sujeito no âmbito dialógico. E o instrumento para que este pertencimento seja operativo, é a linguagem. É mais do que compreensível que as linguagens ocupem lugar central nas terapêuticas.

Por dois motivos essenciais: primeiro é que a função de um médico que pratica a homeopatia não está limitada apenas pela tarefa de sanar determinada patologia mas a de oferecer condições qualitativas mais apropriadas para que as pessoas também possam se dedicar à tarefa do autocuidado – não circunscrita somente à prevenção de enfermidades e promoção de saúde, mas como uma perspectiva de “ocupar-se de si mesmo” a epimeleia, a qual se referiu Foucault (Foucault, 2002). Este conceito aduz uma auspiciosa renovação do debate ontológico à luz da saúde coletiva, da epidemiologia e das ciências humanas. Epimeleia heautou é uma palavra grega que significa aproximadamente “inquietude de si”. Ou seja, que o sujeito tenha tempo e disposição para analisar suas próprias ações e implica em que a verdade (no caso, os conteúdos ou insights percebidos através do estudo de si mesmo) sejam os agentes da transformação do sujeito

Relação Médico Paciente, auto-observação, médicos de família e a adesão ao tratamento

O tipo de relação médico-paciente que se estabelece, por ser parte incontornável da semiologia tal como proposta pela homeopatia, auxilia na adesão aos tratamentos. E permite que se detectem idiossincrasias individuais, predisposições hereditárias, características familiares não apenas patológicas, mas também de aspectos socioeconômicos e ambientais. O atendimento de famílias inteiras é um fator significativo na coleção de conhecimentos que o médico passa a ter, tanto do ponto de vista das predisposições patológicas individuais, como da dinâmica da própria família.

A auto-observação é um outro fator que pode estar no rol das técnicas que indiretamente favorecem a prevenção. Ao ser informado que deve estar atento a todas as modificações que se processam durante um tratamento o paciente fica mais atento ao que se passa sem seu corpo e sua mente.

Esta abordagem junto com os procedimentos associados a ela fornecem elementos clínicos para uma atuação abrangente, de caráter antropológico e eticamente defensável, que ampliam a percepção do médico e do paciente sobre o significado do cuidado e da saúde. O conjunto destes saberes e práticas instruem assim uma verdadeira “pedagogia da saúde**. A epistemologia acima proposta, portanto, sendo uma abordagem que também se baseia na epidemiologia clínica — cujo fundamento é proteção versus risco  — pode assim encontrar uma proposta benéfica aos usuários dos sistemas de saúde públicos e privados.

Difícil encontrar melhor definição para uma atuação preventiva em medicina.

Referências Bibliográficas

DANTAS F. Homeopatia e atenção à saúde em serviços públicos. Cultura Homeopática 2007

FOUCAULT, M. La Hermenéutica del Sujeto. Buenos Aires/México: Fondo de Cultura Económica, 2002.

KOSSAK-ROMANACH, A. Homeopatia em 1000 Conceitos 3ª edição, 2003, São Paulo, Elcid.

MINAYO, Maria Cecília. 1993. O desafio do conhecimento – pesquisa qualitativa em saúde. 2ª ed. São Paulo-Rio de Janeiro: Hucitec-ABRASCO

RICOEUR, P. Hermeneutics & the Human Sciences. Nova Iorque: Cambridge University Press, 1993.

ROSENBAUM, P. et Als. Homeopathy and health related quality of life: questionnaire NEMS-07 Homeopatía y calidad de vida en salud: el cuestionario NEMS-07 Homeopatia e qualidade de vida ligada à saúde: o questionário NEMS-07. Cultura Homeopática, Volume 4 (13) January 2005

PUSTIGLIONE, Marcelo, Homeopatia e Cuidados Básicos de Saúde. São Paulo: Dynamis Editorial, 1988

*Publicado no capitulo “A Ética do Sujeito, Homeopatia e a Medicina Preventiva” no e-book “Ética em Homeopatia”. Dantas, F. (Org.) Cremesp, 2023.

**Termos originalmente proposto pelo médico Henrique Stiefelmann

Fonte: https://www.estadao.com.br/brasil/conto-de-noticia/aspectos-eticos-relativos-a-medicina-preventiva-em-homeopatia/ 


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